sexta-feira, novembro 25, 2005

FRANCISCO PALMA DIAS

Poeta que será alvo da nossa atenção na próxima sessão dos Meninos d´Avó, fica uma amostra (pequena) da sua obra e o convite a descobrirem mais deste autor:


SOBRE PORTUGAL

Nestes Tempos do Fim onde merecemos viver,
pois que neles nascemos – e onde, portanto, temos
de viver assumindo, cada um de nós, o nosso
destino como parte, também, das egrégoras (das
pessoas colectivas) às quais estamos ligados -,
a Poesia deveria ser particularmente iluminadora.
Mais do que em qualquer outro sítio, ela o tem
Sido, de facto, em Portugal. Bastará que lembremos
essa vanguarda da época das vanguardas,
objecto recente das atenções duma crítica (o tex
tualismo acudindo ao historicismo) que ameaça
sacrificar o que elas dizem, em benefício da época
em que o diziam e da maneira como o diziam.
No conjunto das vanguardas europeias, a vanguarda
Portuguesa é aquela que mais depressa
Assumiu, sem equívoco ainda que numa ordem
Dispersa, aquilo a que chamo a fatalidade da
modernidade: simultaneamente ao que ninguém, no
nosso tempo, pode escapar, e aquilo que, longe
de libertar o homem, como lhe repetem há dois
séculos, o degrada cada dia que passa.
A vanguarda portuguesa foi a única, de todas
as vanguardas europeias, que ulteriormente reencontrou
a tradição, no sentido ultra-religioso do
termo.

André Coyné



I
Gema, modo de usar e de fazer, trama


1

Donde vai parindo esta história vera
descobre-se e faz-se
refaz-se

esta passagem da ilha dos amores
à do único fervor
a dos ardentes


2

este canto aqui deitado
a ninguém pode servir
mas pode ser levantado
por quem o deixar subir
pelo corpo e que dum trago
cantar então a luzir.

Um dia ou outro se olha
porque então do que canto ousamos
chegar ao quinto que é cante
se olhas de caras e dorso
a inesfacelada
face

e é
o nosso rosto
e todas as máscaras que aqui estão


3

artefacção
e arte fátua
ofício
e artificio
trazer as estrelas aos cabelos alargados à dansa
[que é voar silente
e no corpo frígido o grito desunhado em gritaria
com as cores sintéticas no ácido na boca (silenciar
que mesmo se de branco na face do nada

é sangue espavorido que nela seca ou secará
mais tarde
estampilhado
ou num estoiro de esmagar os dentes)

é arte egónica
convulsa ou embalando o ricto na noite onde ago-
[niza e se resolve
o ego (se o fortalece é a morrinha pêca)

canónica renasce estoutra
duma tradição que se descobre
Tradição é
a que tece as madeixas e os eixos a que se desdobra
o soçobro do mosto (e o vinho faz-se
e desce pelo corpo do artesão
que desaparece).

Duma e doutra
bate meu coração aqui escrevendo (e que ele me leve
à perdição de tudo o que sonhei
que se extinga o nome e que
nomei


4

repousas sobre a terra
poisada dentro de ti mesma e despertas
desfraldando meu corpo que murmuras
(sopro a sopro te descubro) e proferes
todos os sabores que prefiro
(amargosos, sem açúcar)

de ti a mim
amar reúne e nutre
de mim a ti
o mar desata um nó amarrotado.
Assim nos funda

estamos e somos
esta travessia que em nós pulsa


5

nas frases outonais deste inferno
soletro letras ilustrando a bruma
d´aquém e d´além estar, ou seja, a espuma
que brame em continente submerso.

Ao veio donde fomos rastejando
volveste velida alma minha erguida
louçana e pura entrançado o sirgo
que cose a ligadura a lume brando.

É fogo luso para a quinta essência
Atalantando. E nesta lonjura
a soidade pena em mim pulsando

o futuro presente agora e quando
o ferro fundente descobre a armadura
que veste o fiel de luz, perdidamente

Francisco Palma Dias, in “cante quinto”, Guimarães editores, 1981.

10 comentários:

Anónimo disse...

Don't you know there ain't no Devil, there's just God when He's drunk. (T. Waits)

Anónimo disse...

Amigos:
Fico contente com a manutenção permanente deste blog e a continuidade dos Meninos da Avó. Bacana! Não esqueço de vocês. Grande abraço,
Antonio Naud Júnior

- Estou com um novo blog, falando das coisas da Bahia: www.tresvezesbahia.blogspot.com

Anónimo disse...

Nenhum outro ser humano, nenhuma mulher, nenhum poema ou música, livro ou pintura podem substituir o alcóol no seu poder em oferecer a ilusão da verdadeira criação.


(Marguerite Duras)

Anónimo disse...

O inferno são as outras.

(J.P. Sartre)

Anónimo disse...

A temática de alguns dos comentários, dá-me vontade de ler o "díario" do Luis Pacheco (antes de dormir).

Paulo Paixão

isabel mendes ferreira disse...

fabuloso!!!!!!!!!!!!


(vim da Isabel Victor)



ainda maravilhada.



________________parabéns.

Isabel Victor disse...

A poesia e TUDO, palavra, verbo que aqui encontrei é sublime

gostei muito muito

isabel victor

Unknown disse...

Também eu ando deslumbrado com Palma Dias. Curiosa coincidência.

Unknown disse...

www0523
ray ban sunglasses
swarovski outlet
cheap jordans
ferragamo outlet
mulberry bags
adidas trainers
kobe 9
longchamp bags
cazal sunglasses
ugg boots


Unknown disse...

g8q15e7k98 w4p35n5j20 p2h42r6l94 x6z16w8t32 s3t22i3i49 p8f80o1w14